O Senado promoveu, nesta segunda-feira (5), sessão especial no Plenário para celebrar os 50 anos do 1º Seminário de Estudos dos Problemas Urbanos de Brasília, realizado em agosto de 1974. A sessão também deu início à segunda edição do evento, que ocorre esta semana na capital federal.
A reunião foi presidida pela senadora Leila Barros (PDT-DF), autora do requerimento para realização da sessão especial, que também foi a cerimônia de abertura do 2º Seminário sobre Estudos dos Problemas Urbanos de Brasília 50 anos: 1974-2024. O Hino Nacional foi apresentado pela cantora brasiliense Célia Porto, acompanhada ao piano pelo maestro Rênio Quintas, cidadão honorário de Brasília.
— O 1º Seminário de Estudos dos Problemas Urbanos de Brasília foi um marco cuja memória nos convida a refletir sobre o futuro. As questões debatidas há 50 anos continuam a exigir nosso compromisso com o desenvolvimento sustentável e com a preservação da identidade cultural e do patrimônio histórico de Brasília — disse Leila.
Desde dezembro de 1987, o conjunto urbanístico-arquitetônico do Plano Piloto de Brasília é Patrimônio Mundial, título dado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Em 1990, a capital brasileira foi inscrita no Livro do Tombo Histórico pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Leila Barros disse que é complexa a tarefa de manter a integridade do Plano Piloto frente às demandas modernas e ao crescimento populacional, mas alertou que os governantes e a população do DF não podem esquecer também da importância da sustentabilidade urbana, da gestão dos recursos naturais, da preservação das áreas verdes e do combate à poluição, por exemplo.
— A identidade e a intensa vida comunitária de Brasília, formadas por caldeirão de brasileiros de todas as regiões do país, se consolidaram em uma riqueza cultural única. Essa diversidade se manifesta na música, na gastronomia, nas festividades e tradições populares, criando um ambiente de troca e enriquecimento mútuo, que é a essência da brasilidade da nossa cidade. Brasília é hoje uma síntese do Brasil e emana vivacidade e pujança! — afirmou a senadora.
Para ela, é necessário que a cidade concilie o desenvolvimento socioeconômico com a preservação da essência do planejamento urbanístico e arquitetônico de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer.
— Valorizamos o segmento da construção civil como indutor do desenvolvimento, notadamente na geração de emprego e renda, mas há que frear os efeitos nocivos da especulação imobiliária, a desfigurar os traços constitutivos do patrimônio histórico e artístico da nossa cidade — ponderou.
Qualidade de vida
A vice-presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Distrito Federal (CAU/DF), Renata Seabra, destacou a importância de sua entidade na garantia do exercício correto e ético dessas profissões, na construção de cidades mais justas e com melhor qualidade de vida e na promoção do bem-estar coletivo. Para ela, os resultados do seminário deste ano serão tão importantes quanto os do primeiro evento.
— A importância de reunir estudiosos do planejamento urbano não pode ser subestimada. Este é um momento único para discutir os problemas urbanos que enfrentamos em Brasília, analisando os desafios e conquistas nos últimos 50 anos. Mais do que isso, é uma oportunidade de vislumbrar novas possibilidades e mudanças para a construção do futuro da nossa cidade.
Mobilidade
Wilde Cardoso Gontijo Júnior, coordenador da Associação Andar a Pé — O Movimento da Gente, disse que a segunda edição do seminário servirá para apontar caminhos para “uma cidade democrática, sustentável, igualitária e politicamente ativa”. Ele homenageou diversos arquitetos, urbanistas, economistas, geógrafos, parlamentares e engenheiros que participaram do primeiro seminário em 1974
— A força da atual realização vem do inspirador primeiro seminário de 74, onde se reuniram os cidadãos e cidadãs para estudar os problemas então presentes e debater alternativas de soluções. Felizmente, temos remanescentes que palestraram ou que testemunharam aquele momento e que continuam conosco na construção de Brasília. Muitos estão aqui presentes. Meu muito obrigado a todos vocês por persistirem na busca de melhorar esta cidade.
Áreas verdes
Para o presidente da seção brasiliense do Instituto de Arquitetos do Brasil, Luiz Eduardo Sarmento, muitos dos problemas identificados em 1974 continuam existindo em 2024 no DF, como os de mobilidade urbana e de preservação ambiental. Ele defendeu que as qualidades do Plano Piloto, como as abundantes áreas verdes, sejam replicadas nas demais regiões administrativas do DF.
— Vê-se cada vez mais que as áreas verdes estão sendo substituídas por estacionamento e pela supressão de elementos arbóreos, principalmente nas áreas comerciais e de maior fluxo de pessoas.
Ele defendeu como urgente aumentar os espaços arborizados, ampliar as áreas de retenção e absorção de água nos gramados, estabelecer formas de compostagens e jardins produtivos e o plantio de árvores.
— Ressalto que Brasília não é qualquer cidade. É cidade capital, patrimônio mundial, um caso raro de tão grande e acelerado crescimento populacional, o que demonstra o sucesso dessa empreitada que começou há mais de seis décadas. Os desafios são muitos, as potencialidades também. Seus pequenos problemas precisam ser corrigidos e suas grandes qualidades precisam ser expandidas para toda a metrópole. A nossa responsabilidade é enorme e é histórica.
Crescimento desordenado
De acordo com Dênio Augusto de Oliveira Moura, promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), em 1974, os participantes do seminário já demonstraram preocupação com temas atuais da capital federal, como o crescimento acelerado da população, o alto preço dos imóveis no Plano Piloto, a concentração da população na periferia, o desequilíbrio entre locais de emprego e residência, a questão da mobilidade, entre outros.
— Os maiores desafios que o Distrito Federal tem enfrentado nas últimas décadas têm sido o clientelismo, o fisiologismo, o patrimonialismo, a corrupção, a exploração política da organização do território, a especulação imobiliária, um apego extremo ao rodoviarismo com a criação de viadutos e ampliação de vias, deficiência do transporte coletivo e da mobilidade ativa, ausência de uma política habitacional consistente, uma cultura arraigada de regularização que premia o criminoso e os infratores, o desejo incontrolável de descaracterização do conjunto urbanístico de Brasília.
O seminário
Em 5 de agosto de 1974, a Comissão do Distrito Federal, então responsável no Senado por legislar para o DF, deu início ao 1º Seminário de Estudos dos Problemas Urbanos de Brasília . Na ocasião, o evento apontou que Brasília já se defrontava “com graves problemas urbanos, em que pese a ousadia de seu plano urbanístico”.
Sob a condução do então senador pelo DF Cattete Pinheiro, que presidia a Comissão do DF, foram realizados quatro painéis técnicos com cerca de 200 cidadãos, técnicos, professores, estudantes e governantes que acompanharam e participaram ativamente dos debates, ocorridos de 5 a 21 de agosto.
Os problemas da cidade foram debatidos com a presença do autor do Plano Piloto de Brasília, o urbanista Lúcio Costa, que também discursou no Plenário do Senado e, segundo jornais da época, chegou a chorar de emoção e foi aplaudido pelos presentes.
“As discussões abordaram transporte, educação, desenvolvimento e planejamento urbano, desenvolvimento rural e recursos humanos, tendo o completo registro do evento detalhado em publicação do Senado Federal, servindo até hoje como fonte importantíssima de pesquisa para se entender como a cidade chegou aos nossos dias”, diz a senadora Leila no requerimento para realização da sessão especial.
De acordo com a senadora, o seminário de 1974 abordou questões de infraestrutura e mobilidade urbana, eficiência do transporte público, necessidade de expansão dos serviços básicos, oferta de moradias, crescimento desordenado, preservação dos recursos naturais, condições socioeconômicas dos habitantes, entre outras.
O 2º Seminário sobre Estudos dos Problemas Urbanos de Brasília é promovido em parceria pelo Iphan, Associação Andar a Pé, MPTDFT, Rede Urbanidade, UnB, Conselho de Arquitetura e Urbanismo e outras entidades, com apoio do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e da Câmara Legislativa do Distrito Federal.
Participaram da sessão especial e foram homenageados com diplomas participantes do primeiro seminário em 1974: José Carlos Córdova Coutinho, Ignez Costa Ferreira, Amilcar Coelho Chaves, Frederico Borges de Holanda e Aldo Paviani. Edward Cattete Pinheiro Filho recebeu o diploma em nome de seu pai já falecido, o ex-senador Cattete Pinheiro. Rodrigo Rollemberg recebeu o diploma em nome da família de Lúcio Costa. Também participaram o presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Leandro Grass; o professor da UnB Benny Schvarsberg; e o ex-senador e ex-governador do DF Rodrigo Rollemberg.