A Comissão Mista Permanente Sobre Migrações Internacionais e Refugiados (CMMIR) promoveu na tarde desta terça-feira (6) uma audiência pública para debater e ouvir sugestões para a Política Nacional de Migração e Refúgio. A realização da audiência atendeu aos requerimentos do presidente da comissão, deputado Túlio Gadêlha (Rede-PE), e da relatora da comissão, senadora Mara Gabrilli (PSD-SP): respectivamente, REQ 1/2024-CMMIR e REQ 4/2024-CMMIR .
Mara Gabrilli lembrou que, em janeiro do ano passado, o Ministério da Justiça criou um grupo de trabalho para elaborar a Política Nacional de Migração e Refúgio, prevista na Lei de Migração ( Lei 13.445, de 2017 ). Segundo a senadora, alguns relatórios e uma minuta já foram publicados, mas ainda não há uma previsão para a publicação do texto definitivo — que deverá ser publicado na forma de um decreto. Ela cobrou a publicação desse decreto e lamentou que ainda exista discriminação em vários níveis, como os que afetam as populações negras, as pessoas LGBTQIA+ e os migrantes.
— A criação dessa política é uma das mais importantes demandas da comissão. Entendemos que a política nacional de migrações será estruturante e será um divisor de águas neste tema no Brasil. Por isso a comissão incluiu este debate em sua agenda — disse a senadora ao abrir a audiência.
O secretário Nacional de Justiça, Jean Keiji Uema, lembrou que sua secretaria é uma das responsáveis pelas políticas de migração. Segundo ele, a humanidade será redefinida neste século com base no uso das tecnologias, nas mudanças climáticas e no tema das migrações. E ressaltou que, na elaboração do decreto, será importante a observância da legislação e o uso de dados e evidências. Ele informou que no dia 28 de agosto será lançado um documento chamado Boletim de Migração, com informações sobre migrantes e refugiados no Brasil.
Uema elogiou a iniciativa da comissão mista de debater as novas políticas voltadas para os migrantes. De acordo com o secretário, o governo ainda quer debater alguns temas do decreto com o Legislativo e com a sociedade civil.
— O Congresso Nacional é um local privilegiado e legítimo para debater essa questão. É importante também que a discussão do tema não seja contaminada pelo debate ideológico. Precisamos avançar, pois só assim vamos construir uma política efetiva — declarou.
O diretor do Departamento de Imigração e Cooperação Jurídica do Ministério das Relações Exteriores (MRE), diplomata André Veras Guimarães, apontou que a construção de uma nova Política Nacional de Migração e Refúgio é um avanço importante. Ele classificou a iniciativa do Ministério da Justiça como oportuna e necessária, e afirmou que o decreto será uma espécie de guia para a sociedade no tratamento da matéria. Segundo o diplomata, o MRE já tem feito contribuições para a elaboração do documento.
— Esse documento é importante, principalmente em um momento em que o mundo fecha as portas para os migrantes. A sociedade brasileira é acolhedora e empática — registrou.
Os participantes da audiência fizeram várias sugestões para a nova política. A coordenadora de Promoção dos Direitos das Pessoas Migrantes, Refugiadas e Apátridas do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Truyitraleu Tappa, disse que uma abordagem intercultural precisa ser pensada na elaboração de uma nova política de migração. Ela citou como exemplo a língua para alguns grupos indígenas e a relação com o corpo para determinados grupos religiosos.
Segundo Tappa, é preciso ter um olhar com base nos direitos humanos na construção de políticas para os migrantes. Ela ainda agradeceu o trabalho da CMMIR e o direcionamento de emendas parlamentares para os programas voltados para os migrantes, mas cobrou um orçamento mais robusto para o setor e o convite a migrantes para colaborar com a construção da nova política.
— Os migrantes, os refugiados e os apátridas são essenciais para esta proposta. Não é possível a gente pensar em construir boas políticas sem as pessoas que estão envolvidas no processo — afirmou a coordenadora.
O secretário de Assuntos Multilaterais Políticos do Ministério das Relações Exteriores, diplomata Carlos Márcio Bicalho Cozendey, disse que a Política Nacional de Migração e Refúgio é uma necessidade diante da realidade do país. Cozendey explicou que, da perspectiva do Itamaraty, há três grandes eixos que precisam ser considerados nessa política: a realidade demográfica, as obrigações internacionais e o equilíbrio entre as dimensões de controle e acolhida.
Para a oficial de Reassentamento e Vias Complementares da Agência da ONU para Refugiados (Acnur), Andrea Zamur, a elaboração de uma política voltada para migrantes, refugiados e apátridas representa um marco significativo para essas populações. Andrea Zamur disse que a legislação brasileira é positiva. Ela ponderou, no entanto, que ainda falta muito para se garantir o respeito aos migrantes que chegam ao Brasil, como questões relacionadas à língua e à cultura.
— Nosso país tem sido um modelo de acolhimento e integração, oferecendo um lar para aqueles que fugiram de conflitos e inundações. No entanto, é preciso reconhecer que há lacunas importantes — registrou.
O procurador André de Carvalho Ramos, coordenador do Grupo de Trabalho Migração, Refúgio e Tráfico de Pessoas, afirmou que uma sociedade inclusiva precisa ter um olhar atento com a migração. Ele disse saber das dificuldades da questão fiscal, mas cobrou mais orçamento para as políticas públicas voltadas para migrantes e refugiados. Para o procurador, a nova política poderá contribuir para uma maior visibilidade dos dados relativos ao tema, já que muitos migrantes não são registrados.
— O decreto será apenas o começo. Haverá parcerias, segurança jurídica, mais documentação, mais transparência. Em matéria de direitos humanos, visibilidade é o início da consecução dos nossos objetivos de promoção — ressaltou.
O coordenador do Fórum Nacional de Conselhos e Comitês Estaduais para Refugiados, Apátridas e Migrantes (Fonacceram), Roberto Portela, cobrou empatia no acolhimento a pessoas que fogem de situações difíceis em seus países de origem. Emocionado, ele lembrou que os brasileiros são, em sua grande maioria, descendentes de migrantes. E alertou para o risco de que a concentração de capital provoque uma nova onda de migração.
— Espero que nós sejamos um país referência no acolhimento na xeno-inclusão — concluiu Portela.
Saifullah Ahmadzai, um afegão refugiado no Brasil, também participou da audiência. Ele leu um texto em inglês, sendo traduzido pela diplomata André Veras. Saifullah agradeceu ao governo, às organizações civis e à população pela acolhida no país. Ele alertou, porém, para o fato de que alguns vistos ainda não chegaram a muitos dos seus compatriotas, que estão em risco no Afeganistão ou em outros países, aguardando a vinda ao Brasil.
A professora Luciana Hartmann, colaboradora do Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH) e coordenadora da Rede Infâncias Protagonistas, pediu atenção especial para a inclusão da criança migrante ou refugiada nas escolas brasileiras. Segundo ela, um relatório do Acnur aponta que crianças e jovens de até 18 anos representam entre 30% e 40% das populações migrantes ou refugiadas no mundo. A professora acrescentou que já há outros documentos que apontam um aumento do número de mulheres entre os migrantes.
— Junto com as mulheres, vêm as crianças. Esse número causa um impacto direto no processo de escolarização — ressaltou Luciana Hartmann.
O defensor público federal Sérgio Armanelli Gibson disse que é preciso tratar com humanidade os refugiados. Ele, que contou ser filho de pai brasileiro e de mãe imigrante italiana, pediu que o poder público não caia na tentação de “criminalizar as vítimas”. Na mesma linha, o coordenador de Projetos da Organização Internacional para as Migrações (OIM) Brasil, Fábio Andó Filho, apontou que a migração organizada beneficia todos os países. Ele pediu foco nos direitos humanos no tratamento com os migrantes.
O procurador da República Guilherme Rocha Gopfert representou o procurador-geral da República, Paulo Gonet. Ele disse que a nova política de migração e refúgio deve ter atenção com três questões: direitos humanos, integração e segurança. O vice-diretor da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, padre Marcelo Maróstica, reforçou a importância do respeito aos direitos dos migrantes e dos refugiados. Ele ainda cobrou uma melhor comunicação da Polícia Federal e de outros órgãos públicos com as organizações que trabalham no apoio a migrantes e pediu a tipificação dos abrigos aos refugiados.
A Comissão Mista Permanente Sobre Migrações Internacionais e Refugiados (CMMIR) foi criada em 2019 para acompanhar movimentos migratórios nas fronteiras do Brasil e a situação dos refugiados internacionais dentro do país. Diferentemente das comissões permanentes do Senado, que têm eleição e composições renovadas a cada dois anos, a CMMIR é instalada a cada ano. A composição do colegiado é de 12 senadores e 12 deputados federais como membros titulares (e mesmo número de suplentes), escolhidos pelo critério da proporcionalidade partidária.