Durante audiência pública nesta segunda-feira (2), representantes da educação pública municipal e estadual defenderam um novo Plano Nacional de Educação (PNE) para o período de 2024 a 2034 que ofereça "financiamento consistente" e que venha acompanhado da aprovação do Sistema Nacional de Educação (SNE). O debate, presidido pelo senador Flávio Arns (PSB-PR), foi promovido pela Comissão de Educação (CE), o segundo da rodada de discussão sobre o tema. O novo PNE determinará as diretrizes para a educação nos próximos 10 anos.
O projeto do do Poder Executivo para o novo PNE ( PL 2.614/2024 ) está em tramitação na Câmara dos Deputados. O documento contém 10 diretrizes, 18 objetivos, 58 metas e 253 estratégias a serem cumpridos até 2034 nas áreas de educação infantil, alfabetização, ensinos fundamental e médio, educação integral, diversidade e inclusão, educação profissional e tecnológica, educação superior, estrutura e funcionamento da educação básica.
Os especialistas classificaram como fundamental para execução do próximo PNE o Projeto de Lei Complementar (PLP) 235/2019 , já aprovado no Senado, que institui o Sistema Nacional de Educação (SNE). De Flávio Arns, a proposta alinha as políticas, programas e ações da União, do Distrito Federal, de estados e de municípios, em articulação colaborativa dos entes da Federação na área educacional.
Para os debatedores, com a aprovação do SNE, que ainda tramita na Câmara, o regime de colaboração entre as três esferas de governo viabilizará o planejamento e a execução das políticas públicas determinadas pelo PNE. Para eles, não adianta apenas uma esfera de governo planejar para os demais executarem, sem um regime colaborativo dessa construção.
— Paralelo à discussão do Plano Nacional de Educação, [defendemos] também [...] a aprovação do Sistema Nacional de Educação, porque são dois instrumentos que têm, necessariamente, que dialogar e conversar. Então não dá para aprovar um e deixar o outro sem aprovar, porque causa um descompasso que acaba impedindo a suplementação — disse Alessio Costa Lima, presidente do União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).
O senador Flávio Arns também manifestou esse entendimento e pediu a aprovação do SNE pela Câmara, para que estados e municípios possam ter mais garantias na execução do PNE.
— E para termos exatamente o Plano Municipal de Educação com suas metas bem definidas pela comunidade educacional a gente precisa ter o Sistema Nacional de Educação para saber com que o município pode contar nesse debate tripartite entre a União, estados e municípios. Porque se não, fica difícil para os municípios estabelecerem as metas sem saber com que apoio pode contar.
A representante do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed),Fátima Gavioli, que é secretária de Educação de Goiás, disse que em razão do não cumprimento das metas do plano vigente, a proposta encaminhada pelo Poder Executivo “exagerou nas metas e estratégias” para o próximo plano. Para ela, o projeto tem “sido criativo nos verbos” sem deixar clara a necessidade de envolver atores corresponsáveis pela execução das políticas públicas, além dos secretários de educação.
— Se for para falar de responsabilização eu prefiro falar então que seja uma responsabilização solidária, onde não só o pobre do secretário de educação seja responsabilizado. A proposta que está aí fala em responsabilizar o secretário. Mas onde é que está a pessoa que realmente tem o poder de fazer, que é o Executivo? Onde é que está o Legislativo? Onde é que está os fóruns municipais e estaduais? Os conselhos? Impossível falar de responsabilização como está aí no projeto citando somente o secretário, até porque se isso acontecer não haverá tantos candidatos assim a esse cargo — disse a secretária de Educação de Goiás.
Um dos objetivos do projeto, mencionado por Gavioli, é o relacionado à alfabetização, que estabelece como responsabilidade do secretário assegurar a alfabetização, ao final do segundo ano do ensino fundamental, a todas as crianças, em todas as modalidades educacionais, com a redução das desigualdades e inclusão.
A reclamação que foi reforçada pelo vice-presidente da Região Sudeste do Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais e Distrital de Educação (Foncede), Felipe Michel Braga.
— Se há essa exigência exacerbada com uma tentativa de responsabilidade gerencial, que pune quem toma as decisões, o que a gente vem experimentando ao longo das últimas décadas é um apagão das canetas. Porque pouca gente ajuizada vai querer tomar decisão se o seu comprometimento na busca de assegurar e garantir [educação de qualidade] for prejudicada por uma punição que, ao nosso ver, não é justa.
Para os educadores, é fundamental que o plano também garanta incentivos financeiros à altura do desafio da aplicação das mediações tecnológicas, favorecendo a capacitação dos profissionais e a aprendizagem dos estudantes. Gavioli usou como exemplo alunos de regiões remotas que viajam cerca de três horas para uma jornada de mais de seis horas de ensino presencial, comprometendo, inclusive, o seu desempenho.
Atualmente, dos cerca de 46 milhões de alunos que frequentam a rede pública de ensino, quase 50% das matrículas estão nas redes municipais. Para Alessio Costa Lima, essa responsabilidade, que está cada vez maior, precisa ser acompanhada das condições básicas de financiamento
— Nós corremos o risco de transferência de responsabilidade para o ente municipal sem as devidas condições, o que pode gerar uma precarização da educação [...]s, impedindo que o nosso país continue avançando nas questões educacionais, nos investimentos que são necessários, principalmente nessa área de tecnologia, em que o mundo todo se prepara para a incorporação da inteligência artificial nos processos de ensino e aprendizagem.
O PNE 2014-2024 previa chegar ao final da sua vigência com a aplicação de 10% do PIB no setor da educação. Atualmente, está em 5,5%. O projeto do novo PNE estabelece uma aplicação progressiva que vai de 7% a 10%. A estagnação nos últimos 10 anos gerou críticas dos especialistas, que defenderam mais investimentos.
— O que a gente observou no Brasil foi uma involução no investimento, e voltamos ao patamar de 5,5% do PIB. Se a gente não teve uma ampliação nos investimentos, é claro que as 20 metas do atual Plano Nacional de Educação foram enormemente prejudicadas e [...] comprometidas. Tanto que o plano, na sua execução, consegue atingir uma média, no máximo, de 70% a 75% de execução do que foi previsto para a década. E essas outras que não foram executadas, certamente, é porque não houve os investimentos necessários para garantir a sua implementação — acrescentou Alessio Lima.
Outra reclamação dos participantes foi em relação àa falta de profundidade dos objetivos, metas e estratégias sobre a educação ambiental e sustentabilidade. No seu entendimento, por se tratar de um assunto que, pela sua urgência, está como prioridade na agenda global, o documento ter mais profundidade.
— A gente tem aí alguns temas como os temas da educação ambiental e de sustentabilidade que não foram incorporados devidamente como foram apresentadas pela Conferência Nacional de Educação (Conae). Então a gente entende que este é um assunto importante, um assunto global, e que o Senado precisa resgatar isso e incorporar isso ao projeto de lei — defendeu Felipe Michel Braga.
Também está entre as preocupações as dúvidas sobre o prazo para a avaliação e monitoramento dos Planos Municipais e Estaduais 2014-2024, bem como a elaboração dos novos planos, 2024 a 2034. Os debatedores observaram que os planos precisam estar alinhados com o próximo PNE, o que provavelmente vai depender da data de aprovação da matéria no Congresso Nacional. A previsão deles é de que o texto seja aprovado nas duas Casas legislativas até o final de 2025 e sua aplicação tenha como parâmetro o início de 2026.
— Não existe Plano Nacional de Educação fechado, dentro das metas estipuladas, discutidas, seus avanços e atrasos, se não existirem planos municipais de educação e planos estaduais devidamente planejados e acompanhados […]. Nosso entendimento é que os Planos Municipais de Educação possam ser monitorados e avaliados até o final de 2024 — disse, Manoel Humberto Gonzaga Lima,Presidente do União dos Conselhos Municipais de Educação (UNCME).
Felipe Michel Braga, da Foncede, afirmou ainda que o novo plano precisa ir além de "um robusto documento de metas" e deve coordenar os esforços nacionais, através de um pacto federativo, em favor da população mais vulnerável.
— Porque a gente tem que falar de metas de acesso e qualidade para todos, mas eu preciso pensar melhor ainda na inclusão, preciso pensar nas comunidades ribeirinhas. Pretos e pardos têm indicadores sempre piores do que os brancos, comunidades quilombolas, comunidades indígenas, e daí a gente precisa ter algumas metas e desenhos que especificam o olhar para eles, se não a gente acompanha erroneamente pelas médias e acha que está melhorando para todo mundo e não está — observou Braga.
O vice-presidente da Região Sudeste do Foncede também considerou como um dos pontos cruciais do novo PNE a formação de professores e a atratividade da carreira como instrumento eficaz na mudança da realidade da educação pública.
— Porque quem está dentro da sala de aula muda a vida de crianças e jovens que estão com eles. Muda o patamar que a gente consegue alcançar em educação e em formação inicial. Então a gente tem que [...] continuar buscando maior diálogo, colaboração com as universidades, com as faculdades, com os centros de formação e, inclusive, conversando mais com os sindicatos. Porque essas duas instituições têm um papel muito importante na formação continuada e [no] serviço dos professores.
O PNE em vigor atualmente é composto por 20 metas e foi aprovado pela Lei 13.005, de 2014 . De acordo com o texto, o Poder Executivo deveria enviar ao Congresso Nacional uma nova proposta até junho de 2023. Como isso não ocorreu, a senadora Professora Dorinha Seabra (União-TO) apresentou o Projeto de Lei (PL) 5.665/2023 , para prorrogar o plano atual até 2025. Aprovada pelo Congresso, a prorrogação resultou na Lei 14.934, de 2024.
Em junho deste ano o Executivo encaminhou a proposta do novo PNE ( PL 2.614/2024 ). Ela foi elaborada pelo Ministério da Educação a partir das contribuições de um grupo de trabalho, da sociedade, do Congresso Nacional, de estados, municípios e conselhos de educação. O texto também incluiu sugestões da Conferência Nacional de Educação, realizada em janeiro.
Para cada objetivo previsto no plano, foram estabelecidas metas que permitem seu monitoramento ao longo do decênio. São 58 metas, comparáveis com os 56 indicadores do PNE 2014-2024. Para cada meta, há um conjunto de estratégias com as principais políticas, programas e ações envolvendo a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, para alcançar os objetivos propostos.