Na audiência pública realizada nesta segunda-feira (21) na Comissão de Direito Digital (CCDD), representantes da sociedade civil, plataformas de redes sociais e Polícia Federal reconheceram que a escalada de crimes com uso de violência em ambientes escolares tem fugido ao controle social e é um problema que precisa ser enfrentado de forma urgente. Os debatedores, contudo, divergiram quanto a forma de divulgação desses episódios pelos meios de comunicação.
O encontro foi presidido pelo senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), relator do PL 2.264/2023, do senador Marcos do Val (Podemos-ES), que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente para estabelecer novas diretrizes de divulgação de notícias sobre crimes violentos em escolas, com a restrição de uma série de pontos nos conteúdos noticiosos. A audiência atendeu a requerimentos ( REQ 4/2024 - CCDD e REQ 10/2024 - CCDD ) apresentados pelo próprio Mourão e pelo senador Carlos Portinho (PL-RJ).
Já na abertura da audiência, Mourão chamou a atenção para os números de ocorrências de violência registrados em escolas nos últimos anos.
— De acordo com dados do Instituto Sou da Paz, houve um aumento significativo de casos de violência em ambientes escolares nos últimos anos. Entre 2010 e 2020 o número de ocorrências cresceu mais de 180% — frisou.
Para o senador, a escalada da violência coloca em risco a segurança dos jovens e gera um impacto devastador para as famílias e comunidades envolvidas. Mourão defende que sejam discutidos os limites e a ética na divulgação de informações por parte da imprensa.
Pelo projeto, a imprensa deverá ser obrigada a adotar protocolos a fim de evitar a divulgação de nomes, imagens ou qualquer outro elemento que identifique autores de crimes violentos cometidos em escolas, bem como cartas, vídeos, postagens em redes sociais, armas, roupas ou outros objetos utilizados nos crimes. Além disso, os provedores de aplicativos de internet que disponibilizem conteúdos gerados por terceiros deverão responder de forma subsidiária a eventuais sanções previstas na lei.
A diretora de Políticas Públicas do Conselho Digital da Associação pela Internet Livre, Segura e Responsável, Roberta Jacarandá, afirmou que a violência nas escolas é um “assunto importante, sensível e complexo, o que exige soluções reativas e preventivas de forma integrada e colaborativa”.
Segundo ela, a população estudantil no Brasil é de 33,4 milhões de pessoas, sendo 25,5 milhões de estudantes entre 6 e 14 anos de idade no ensino fundamental e outros 7,9 milhões, de jovens no ensino médio, com idades entre 14 e 18 anos.
— Esses números destacam a importância de garantirmos um ambiente seguro e protegido para todos os envolvidos no sistema educacional, que vão além dos próprios estudantes, mas engloba também os pais, irmãos, professores, outros funcionários escolares e a comunidade ao redor — afirmou.
Delegado da Polícia Federal, Valdemar Latance Neto revelou que, diante do crescente número de casos de violência que se iniciam no ambiente virtual, com incitação a crimes a partir do uso de discursos de ódio, a Polícia Federal criou um setor dedicado exclusivamente ao combate a fraudes cibernéticas. Para ele, uma das formas de diminuir os crimes violentos praticados nas escolas é acabar com o anonimato na internet.
— Em alguns casos, essas postagens no mundo virtual terminam em episódios de extrema violência no mundo real, volta e meia com o envolvimento de adolescentes. A universalização das redes sociais trouxe um impacto muito grande para todos nós. Na dark web [parte da internet acessível apenas por navegadores especializados que permitem a ocultação de local e identidade] há a garantia do anonimato, daí a ousadia e violência desses conteúdos. Mas agora saiu de lá e veio para a internet em postagens abertas, as redes sociais oferecem anonimato aos usuários, o que se traduz na certeza da impunidade. Precisamos de mecanismos que nos garantam o reconhecimento imediato do usuário que comete crimes na internet.
O diretor de Políticas Públicas do Google no Brasil, Marcelo Lacerda disse que o esforço para manter a navegação segura é permanente. A empresa atua no país desde 2005.
— Nossa abordagem de trabalho é baseada na cooperação com autoridades e sociedade civil para a manutenção do bem-estar das pessoas, na criação de ferramentas robustas para a navegação segura das famílias em todos os produtos oferecidos, além do desenvolvimento, atualização e, principalmente, a aplicação constante das regras de uso e diretrizes das comunidades virtuais — declarou.
Representante da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Alice Voronof criticou o projeto de lei em relação aos pontos que tratam da divulgação dos casos violentos em escolas pela imprensa. Para ela, o tema deve ser discutido sob a ótica dos compromissos já presentes nos veículos de comunicação. A Abert represeneta mais de 3 mil emissoras de rádio e TV do país.
— A preocupação com o efeito contágio é fundamental no contexto de crimes, com o uso de violência no ambiente escolar. Contudo, as restrições previstas no projeto de lei esbarram no sistema constitucional de proteção das liberdades, seja de expressão e, sobretudo, de imprensa. Isso não quer dizer que seja uma divulgação irresponsável. As emissoras contam com políticas editorais, sempre em atualização, que levam em conta esse cenário desafiador, já existe uma autorregulamentação nesse sentido — afirmou Alice.
O diretor-executivo da Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abratel), Samir Nobre, disse que os veículos de comunicação têm como pilares duas premissas, a de levar informações para a população de forma gratuita e a responsabilidade de sempre checar a notícia "que anda de forma conjunta com o direito à informação".
— Sempre que um veículo de comunicação profissional coloca no ar uma matéria com esse tipo de conteúdo é com o intuito de alertar a sociedade e também com o propósito de colocar o poder público para falar sobre um assunto tão importante — argumentou.
Mourão disse que vai apresentar um substitutivo que leve em conta as considerações apresentadas no debate.
— Criaremos um substitutivo para que tenhamos um projeto que seja adequado para combater o que é preciso, com técnica legislativa mais correta, e, principalmente, que seja exequível. Temos muitos problemas de colocarmos certos tipos de legislação e, na hora da execução, não tem condição de ser executada, seja pelo encarregado de fazer cumprir a lei, seja por quem precisa julgar ou mesmo por quem deve cumprir — afirmou.