A crise política brasileira ganhou contornos institucionais preocupantes na última semana diante de uma escalada de declarações divergentes entre autoridades da República, inclusive de um dos comandantes das Forças Armadas.
A movimentação do cenário nacional, com denúncias de corrupção, CPI da pandemia, pesquisas eleitorais e debate sobre o voto impresso, foi o estopim para um novo acirramento nas relações entre Legislativo, Executivo e Judiciário.
A troca de declarações entre os três poderes ocorreu simultaneamente a uma ameaça – ou “advertência” – feita pelas Forças Armadas a congressistas, o que tensionou ainda mais os ânimos em Brasília e acendeu, novamente, um alerta sobre os riscos de ruptura democrática, apontam cientistas políticos.
A semana começou tensa com as repercussões de denúncias como o caso da compa da vacina Covaxin, o que fez o presidente Bolsonaro disparar críticas e até ofensas a parlamentares. Com uma das principais bandeiras de campanha sendo combate à corrupção, Bolsonaro reagiu e gerou repercussões.
Para Glauco Peres, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP), a reação agressiva do chefe do Executivo contra o Legislativo é uma estratégia para amenizar o desgaste diante do seu eleitorado mais fiel.
“Foram denúncias envolvendo membros de apoio do Executivo, elas têm importância, mas acho que o presidente possui um discurso preparado para uma parcela do eleitorado não se influenciar por esse tipo de notícia. Por um lado, ele vai dizer que é uma conspiração, por outro, dirá que foi traído por essas pessoas, que não sabia do esquema”.
GLAUCO PERES
Professor do Departamento de Ciência Política da USP
Legenda: Declarações do presidente tensionaram o clima com o Legislativo e o Judiciário. Nota das Forças Armadas contra um senador também acendeu sinal de alerta
Foto: Marcos Corrêa/PR
DESGASTE CONSTANTE
Como previsto, a CPI da Covid-19 tem sido motivo de constante desgaste ao presidente. Em resposta, os parlamentares da oposição viraram o principal alvo das declarações de Bolsonaro. Desde que o suposto esquema da compra de vacinas veio à tona, o presidente já chamou os parlamentares do G7 (grupo majoritário que reúne senadores da oposição e independentes) de “bandidos”, os acusou de serem mentirosos.
Crise política: Brasil está à beira de uma ruptura
Segundo Peres, essa base mais fiel e radical aos ideias do presidente só será afetada diante de evidências ainda mais claras. “Ele está convivendo com desgastes cada vez maiores e com denúncias que são caras ao eleitor dele, mas, ao mesmo tempo, parte dos eleitores só se deixará afetar por algo muito evidente, descarado, que coloque o presidente no centro do esquema”, acrescenta.
MANIFESTAÇÃO NAS RUAS
O clima desfavorável para o Governo contou ainda com outro elemento: as manifestações. Paralelamente, pesquisas indicaram que o presidente enfrenta seu momento de menor popularidade.
Segundo o cientista político e professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Emanuel Freitas, diante de todos esses elementos desfavoráveis ao Governo, faz parte da estratégia do presidente tensionar ainda mais o clima.
“Sempre que se encontra emparedado ele radicaliza, é uma regularidade. Conforme novos elementos vão surgindo, ele vai arregimentando o discurso de maior agressividade”.
EMANUEL FREITAS
Cientista político
FORÇAS ARMADAS X SENADORES
Não bastassem as tensões com o chefe do Executivo nacional, o Legislativo também virou alvo das Forças Armadas. Após declarações do presidente da CPI da Covid-19, senador Omar Aziz (MDB-AM), o Ministério da Defesa reagiu.
“Os bons das Forças Armadas devem estar muito envergonhados com algumas pessoas que hoje estão na mídia”, disse Aziz, ao citar Roberto Dias e o general Eduardo Pazuello.
A resposta veio de forma institucional pelas Forças Armadas, que enxergaram nas falas de Aziz uma acusação direta.
“Essa narrativa, afastada dos fatos, atinge as Forças Armadas de forma vil e leviana, tratando-se de uma acusação grave, infundada e, sobretudo, irresponsável”, disse em nota, o ministro da Defesa, general Braga Netto, e os chefes das três Forças.
INTIMIDAÇÃO
A nota foi interpretada pelos senadores como uma resposta desproporcional e uma tentativa de intimidação.
A escalada de tensão entre o Legislativo e os militares piorou com uma entrevista concedida pelo comandante da Aeronáutica, o brigadeiro Carlos Almeida Baptista Júnior, ao jornal O Globo. Ele reafirmou o tom de ameaça. “É um alerta. Nós não enviaremos 50 notas para ele (Omar Aziz). É apenas essa”, disse.
Para Emanuel Freitas, a reação dos militares satisfez os interesses do presidente, que “anseia por uma ruptura democrática”.
“Para o presidente, a democracia é a vontade dele, uma eleição limpa é uma eleição em que ele saia vencedor. E parte desse Governo é das Forças Armadas”.
“Ele (Bolsonaro) gosta da tensão, do enfrentamento, da ruptura. O grande sucesso dele é quando a situação está caótica, o Governo funciona na medida em que as coisas não funcionam, é parte da narrativa dizer que o sistema não o deixa governar, então a tensão contribui para isso”.
EMANUEL FREITAS
Cientista político
“ASSUNTO ENCERRADO”
Na tentativa de apaziguar os ânimos, entrou em cena o presidente do senado, Rodrigo Pacheco. Em entrevista na última sexta (9), ele destacou que o assunto já foi “esclarecido e encerrado”.
Legenda: Presidente do Senado agiu para acalmar os ânimos
Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado
“Quero aqui afirmar a independência do Parlamento brasileiro. A independência do Congresso Nacional, que não admitirá qualquer atentado a esta sua independência e, sobretudo, às prerrogativas dos parlamentares: de palavras, opiniões e votos, que naturalmente devem ser resguardados em uma democracia”.
DE VOLTA AO VOTO IMPRESSO
Ao mesmo tempo em que tentou abrandar o clima com os militares, o presidente do Senado reagiu de forma dura às falas do presidente Bolsonaro sobre as eleições. Tanto Pacheco quanto o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Luís Roberto Barroso, rebateram ameaças.